Polícia

Crianças e adolescentes são as principais vítimas de estupro

Otmar de Oliveira/Gazeta Digital (GD) | Foto: Gazeta Digital (GD)

A cada 3 dias, 11 crianças ou adolescentes são estuprados em Mato Grosso. Dados da Secretaria de Estado de Segurança Pública (Sesp) apontam que dos 1.403 estupros registrados durante todo o ano passado, a maioria tinha como vítima crianças menores de 11 anos de idade (759) e adolescentes na faixa etária de 12 a 17 anos (588).

Juntas, as ocorrências somam 1.347 casos, o que significa 96% do total notificado em todo o Estado. Assim como em anos anteriores, pessoas do sexo feminino continuam sendo o principal alvo dos estupradores, representando 83,4% das vítimas. Entidades que lidam e acompanham esses casos enfatizam que a falta de políticas públicas, ações preventivas e de amparo às vítimas ainda são os principais problemas em se tratando de estupros.

A presidente da Comissão de Infância e Juventude (CIJ) da Ordem dos Advogados Seccional Mato Grosso (OAB), Tatiane de Barros Ramalho, informou que acompanha o aumento dos casos de violência sexual contra crianças e adolescentes, sempre lutando pela promoção de campanhas, por políticas de prevenção, por uma educação de qualidade, garantia à saúde e ao direito à vida de todas as crianças. Segundo ela, a comissão defende a efetivação do direito à participação de crianças e adolescentes nos conselhos, para que tenham voz, pois tão alarmante quanto o número de adolescentes violentados é a vulnerabilidade dos pequenos. “Esses números alarmantes estão relacionados a vários fatores, dentre eles a pobreza, a exclusão, desigualdade social, discriminação racial e o aumento de denúncias - a população entendeu que não pode ter medo e precisa denunciar”.

Diante disso, Ramalho acrescenta que é sempre importante reiterar que a falta de conhecimento e informação também contribuem sobre os direitos de crianças e adolescentes, portanto, saber identificar esse tipo de crime e denunciar é fundamental para enfrentar a realidade.

Ela frisa que é necessário intensificar a discussão sobre o tema e colocar em prática, com, urgência, políticas de prevenção. “A legislação existe e está adequada para enfrentar o problema, porém falta aplicação sistemática e rigorosa, somada a um trabalho de prevenção por parte do Poder Executivo, e dessa forma criar uma rede de proteção às nossas crianças e adolescentes para que esses crimes não aconteçam”.

Ramalho sugere o desenvolvimento de trabalhos de prevenção nos bairros com maior índice de violência sexual contra vítimas menores de idade. E explica que nas situações de violência sexual, as crianças e adolescentes têm seus direitos violados e isso traz prejuízos ao desenvolvimento da sexualidade saudável, psicológico e social. Em muitos casos, irreversíveis.

Tatiane ressalta que a OAB através da CIJ realiza vários trabalhos de enfrentamento à violência sexual contra crianças e adolescentes, incluindo campanhas em escolas, palestras e orientação ao público jovem sobre as diferenças entre abuso sexual, pornografia, exploração sexual, assédio, todos considerados violência sexual. “Ainda realizamos seminários, congressos e audiências públicas onde convocamos toda rede de proteção. Buscamos apoio do Tribunal de Justiça, Ministério Público, Governo do Estado, para juntos somarmos esforços em campanhas de políticas públicas no fortalecimento das redes de proteção, e trabalhar a prevenção”.

Também salienta a importância das famílias nesse processo. Segundo ela, pais devem conversar com seus filhos sobre confiança, consentimento e explicar sobre o corpo. Essa atitude resulta em um vínculo de confiança e proteção. “Caso venha a acontecer a violência sexual, a criança terá confiança necessária para contar, sem medo, vergonha ou culpa. A violência sexual contra criança e adolescente é o crime mais perverso que pode existir, pois destrói sonhos e traz sofrimento intenso as vítimas”, finaliza.

Subnotificados

Coordenadora do Núcleo de Defesa da Mulher na Defensoria Pública, Rosana Leite Antunes de Barros, diz que apesar de números de estupros de mulheres e crianças serem assustadores, a situação é ainda pior, pois estudos apontam que apenas 10% dos casos reais chegam até o poder público. “É o crime mais subnotificado do mundo. E nos últimos anos ele vem crescendo devido a divulgação de leis e dos exemplos de punições. Mas, ainda assim, muitas vítimas têm vergonha ou medo de buscar por ajuda”.

Barros afirma que o crime de violência sexual é um dos que podem ser evitados. Tudo depende da orientação que a criança e a mulher terá ao longo de sua vida. Deixar claro que há limites em se tratando de atos sexuais é um dos caminhos, por isso, segundo ela, é importante trabalhar a educação sexual com as crianças. “Assim elas crescerão mulheres e homens munidos de conhecimento e exigirão respeito. Além disso, poderão pedir ajuda caso necessário”.

A defensora pública ainda afirma que mesmo as pessoas que não tiveram orientações, acabam dando sinais de que estão sendo assediadas sexualmente. Neste caso, cabe às pessoas de convívio próximo notar e questionar sobre o que está acontecendo.

A falta de políticas públicas e assistência às vítimas são elencadas por Rosana, como os principais empecilhos para registros de estupros em Mato Grosso. De acordo com ela, esse tipo de crime só será de fato combatido, quando todos os poderes e instituições entenderem o que é crime de violência contra a mulher. “Estamos em um dos estados mais machistas do Brasil. Não temos sequer uma delegacia da Mulher que funcione 24h por dia e nos finais de semana. A violência sempre existiu e o que assusta a população é que agora ela vem sendo denunciada, e os números nunca diminuem, só aumentam”.

Mas, a coordenadora do Núcleo de Defesa da Mulher, frisa que mesmo sem esse auxílio governamental, é importante que as vítimas denunciem e busquem por ajuda. Pois, quando se fala em delito sexual, o agressor não para, enquanto ele não encontra um obstáculo pela frente. “Precisamos que as pessoas que forem vítimas, e tiverem filhos e filhas vítimas também, não deixem de buscar o poder público. Só assim o agressor poderá ser punido e as estatísticas poderão chegar o mais perto possível dos números reais”.

Texto: Elayne Mendes/Gazeta Digital (GD)