Saúde

Pesquisador se diz "esperançoso" e prevê 100 milhões de doses

Foto: Mídia News

O imunologista da Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz) Wilson Savino se diz "esperançoso" com as vacinas que estão sendo desenvolvidas contra a pandemia da Covid-19. A que mais o anima é da Universidade de Oxford, cuja terceira fase de testes está sendo realizada também no Brasil em parceria com a própria Fiocruz.

"Se ela funcionar, a Fiocruz receberá 30 milhões de doses entre o fim deste ano e o início do ano que vem. E produzirá cerca de 70 milhões de doses durante o ano de 2021. Eu realmente tenho muita esperança de que isso se concretize, acho que o povo brasileiro tem essa esperança", afirmou o pesquisador, que é coordenador de Estratégias de Integração Regional e Nacional da Fundação.

Savino conversou com a reportagem do MidiaNews por Skype na noite de terça-feira (28) de Niterói (RJ), onde mora.

Na entrevista ele afirmou ainda que o Brasil ainda está longe da chamada imunidade de rebanho, detalhou as diferenças entre os vírus Sars-Cov 1 (da Sars) e o Sars-Cov 2 (da Covid-19) e criticou a abertura das atividades sem que a população esteja plenamente consciente da necessidade de se proteger.

Um dos mais importantes pesquisadores brasileiros, com pos-doutrado em Imunologia Celular, Savino recebeu no ano passado o título de doutor honoris causa pela Universidade de Sorbonne, em Paris.

Confira abaixo a entrevista:

MidiaNews - Estamos na casa dos 50 mil casos em Mato Grosso e mais de 10 mil em Cuiabá. E acabamos de ter a reabertura do comércio. O temor de muitos é que os casos aumentem nas próximas semanas.

Wilson Savino - Deverão aumentar. Em todos os lugares onde foi medido isso, incluindo o Brasil e várias partes do Mundo, o processo de abertura, sobretudo meio de repente, sem que houvesse gradualmente uma certa interiorização por parte da população de que as medidas de segurança continuam necessárias, gerou picos de epidemia, a volta do coronavírus circulando em grande quantidade. Foi assim em todo o Mundo.

MidiaNews - Os governantes acabam cedendo à pressão dos empresários? O problema econômico pesa nessas horas?

Wilson Savino - Pesa nessas horas e vai continuar pesando. No entanto, existem lugares onde o trabalho foi feito de outra maneira. Eu moro em Niterói (RJ), que fez um lockdown importante e depois que controlou realmente a epidemia, começou a abrir devagar... O uso de máscara é obrigatório em Niterói. Se a Guarda Municipal pegar você sem máscara, você é multado.  Na segunda é o dobro do valor da multa; na terceira é o dobro do valor da segunda e assim por diante.

A questão é você montar um sistema onde efetivamente consiga controlar o que está acontecendo. Niterói é uma cidade de médio porte, não é uma cidade pequena, tem na ordem de 500 mil habitantes. Então é uma cidade que é um exemplo para o Brasil. Acho que dependeu muito das políticas públicas antes de fazer o lockdown. [O Brasil fez] Um lockdown que não foi exatamente um lockdown. Em muitos lugares foi uma coisa feita pela metade e aí já não dura muito. Os estudos que existem, inclusive aqui no Brasil, mostram que se não tivesse havido isso, nós teríamos um número de contaminados e de mortes muito maior.

O distanciamento social continua sendo uma coisa fundamental. E o ponto importante é que as pequenas e médias empresas precisam de uma sustentação financeira por parte do Estado, que permitiria que elas se segurassem nesse período. Não falo das grandes empresas, que por sinal receberam auxílio, mas dessas pequenas e médias. Uma vez que recebessem o auxílio do Estado brasileiro, conseguiriam manter os funcionários em casa e não quebrar. Isso é uma grande dificuldade e tem essa pressão enorme. Mas como eu já escutei falarem: de que adianta você abrir as lojas e depois os compradores forem para o hospital? Não resolve o problema.

MidiaNews - Muito tem se falado da tal imunidade coletiva, que seria uma contaminação tão alta da população que o vírus não teria mais como se propagar de forma acelerada. Isso estaria acontecendo, por exemplo, em  Manaus. Podemos atingir isso em Cuiabá?

Wilson Savino - Não há evidência de que isso esteja acontecendo no Brasil. Pode até ser que sim, mas acho que a preocupação com a imunidade coletiva - ou no termo original, que é de agricultura, a imunidade de rebanho - é uma preocupação que não é essencial no momento. Porque os dados mais clássicos de imunidade de rebanho dizem que tem que haver mais de 50% de pessoas infectadas. Isso não foi alcançado em lugar nenhum. Manaus está um pouco acima da média, mas com cerca de 10% da população. Em determinados setores muito específicos você pode chegar a 20%. Por exemplo, o setor da área da saúde, onde há uma exposição [ao vírus] muito grande. Mas não estamos nem perto. Manaus é um caso muito específico e ainda não se sabe exatamente o que aconteceu. Mas acho que a questão de ficar pensando em imunidade coletiva é importante para quem está fazendo análises populacionais, mas para nós o que precisamos pensar é em usar máscara e fazer distanciamento social. É isso que a gente tem que pensar ao invés de ficar esperando que em algum momento chegue a imunidade coletiva. Quando chegar, os epidemiologistas que estão diariamente analisando as taxas de infecção, de óbito, nos vários municípios do Brasil - que não são poucos – vão dizer e nós vamos saber.

Existe um trabalho que vem sendo feito - e sofreu agora um pequeno baque por conta de desfinanciamento -, que é o da Universidade Federal de Pelotas, de teste rápido, não para ter certeza se o indivíduo em questão teve Covi-19 ou não, mas para ter uma noção da população que foi infectada. Esse trabalho mostra que, pelo menos na testagem que foi feita, o percentual de pessoas com anticorpos desenvolvidos para Covid-19 é muito pequeno. Ficar pensando em imunidade coletiva acho que é desfocar da questão central, que é se precaver através de uso de máscara, lavagem de mãos o tempo todo com sabão, álcool em gel e distanciamento social. É aí que a gente tem que focar. Do ponto de vista da saúde pública, a questão central é se prevenir através das coisas básicas, que são higiene, uso de máscara e distanciamento social.

MidiaNews - O senhor está otimista em relação à eficácia e segurança da vacina que tem sido testada pela Universidade de Oxford e a farmacêutica AstraZeneca no Brasil? E há uma previsão de quando este imunizante estará disponível?

Wilson Savino - Eu sou esperançoso. A vacina de Oxford, se funcionar, a Fiocruz vai produzir. É uma vacina cuja toxicidade já foi demonstrada que não existe. É a chamada fase 1, onde você tem certeza que não é tóxico para o organismo humano. Depois, a fase 2 mostra que o indivíduo que recebeu a vacina de fato faz uma resposta imune. E a fase 3 você já passa para dezenas de milhares de pessoas, que é o que começa a acontecer agora, tanto no Brasil, onde serão testadas cerca de 5 mil pessoas, quanto em vários países da Europa. Os Estados Unidos vão testar 30 mil pessoas. Aí nós vamos ter uma noção sobre a eficácia da vacina. E se ela for eficaz, aí essa produção de milhares de doses passa a ser escalonada para muitos milhões de doses.

Nesse caso em questão da vacina que foi desenvolvida na Universidade de Oxford, se ela funcionar, a Fiocruz receberá 30 milhões de doses entre o fim deste ano e o início do ano que vem. E produzirá cerca de 70 milhões de doses durante o ano de 2021. Eu realmente tenho muita esperança de que isso se concretize, acho que o povo brasileiro tem essa esperança. Existe outra vacina que está em fase 3, desenvolvida originalmente na China e que será testada. Se funcionar, será produzida pelo Instituto Butantã [de São Paulo]. Existem mais duas vacinas no Mundo que estão entrando em fase 3 agora. Esse movimento é um movimento mundial muito impressionante comparado com outros movimentos de desenvolvimento de vacinas, dada a magnitude dessa pandemia. Vários observadores e imunologistas acreditam que daqui para o final do ano e início do ano que vem, nós tenhamos umas três vacinas, talvez até quatro, que efetivamente funcionem, o que vai ser muito bom porque o planeta precisa da ordem de bilhão de doses. Então produzir isso não será uma coisa fácil.

MidiaNews – Podemos dizer então que possível iniciar uma vacinação em massa no Brasil no início de 2021?

Wilson Savino - Uma coisa é a vacina ter funcionado, outra coisa é ela ter sido liberada no Brasil. Isso exige uma avaliação da agência reguladora de saúde, que é a Anvisa. Você precisa que essa vacina seja acreditada pela Anvisa para ser efetivamente distribuída e entrar dentro do programa nacional de imunização. De qualquer forma, a previsão é de que, se tudo funcionar muito bem, o primeiro grupo que será vacinado será o grupo de pessoas muito expostas ao vírus, isto é, o grupo de trabalhadores da saúde.

MidiaNews - O que já se sabe sobre imunidade adquirida de quem já pegou a doença?

Wilson Salvino - Não nos esqueçamos: essa é uma doença que começou na China no final do ano passado. No Mundo é uma doença que tem seis, sete meses de existência, não mais do que isso. Por conseguinte, ninguém pode responder a pergunta de quanto tempo vai durar a imunidade. Existem alguns dados medindo níveis de anticorpos, que são as moléculas produzidas pelo sistema imune que circulam e são capazes - quando eles são específicos para o novo coronavírus -, de se ligar, eles têm especificidade para o Sars-Cov 2. No entanto, o fato de eles se ligarem ao Sars-Cov 2 não necessariamente faz com que o Sars-Cov 2 fique impedido de entrar em uma célula do hospedeiro, ou seja, uma célula nossa, de vias aéreas, por exemplo. Somente aqueles anticorpos chamados anticorpos neutralizantes, que têm esse nome justamente porque neutralizam a entrada do vírus na célula do nosso organismo.

Tem-se visto uma queda nos níveis gerais de anticorpos com três, quatro meses, mas com a manutenção da presença dos anticorpos neutralizantes. Só se sabe isso porque não há dados, não há tempo suficiente, porque é uma doença nova. Embora exista um dado de um trabalho que afirma que indivíduos que tinham sido infectados pelo primeiro vírus desse tipo, o Sars-Cov 1, na epidemia de Sars, em 2003, teriam ainda imunidade a essse novo vírus. Estamos falando de 17 anos. Mas o Sars-Cov 1 é uma coisa e o Sars-Cov 2 é outra. Então nós não temos uma resposta a essa pergunta.

Existe outro dado que acredito que vale a pena ser mencionado. Alguns estudos sugerem que a taxa de mutação desse vírus... Mutação é quando um pedacinho do código genético do vírus sofre uma pequena mudança. Essa pequena mudança pode não mudar nada na vida desse vírus, pode torná-lo menos causador de doença ou até mais causador de doença. O que se tem hoje é que nesse momento os achados apontam para uma taxa de mutação relativamente pequena. O que, se for confirmado, significa que uma vez que haja uma vacina, ela vai poder ser usada por muito tempo.

Por exemplo, o vírus Influenza, da gripe, tem uma taxa de mutação muito alta. Por isso é preciso se vacinar todo ano, para reconhecer de forma específica aquele novo mutante. No caso do Sars-Cov 2, aparentemente a taxa de mutação é pequena. Então isso não deve acontecer. Porém volto a frisar que só temos seis, sete meses dessa doença. Essa precaução é preciso ter, porque é uma doença nova, um vírus que não era conhecido, nunca houve uma pandemia por coronavírus dessa magnitude, com quase 20 milhões de pessoas infectadas e quase 700 mil falecimentos no planeta. O Brasil caminha para para os 100 mil.

Vou ser repetitivo no que vou dizer, mas o que interessa nesse momento é a população se precaver através das medidas básicas que todos já viram e ouviram, que é limpeza com sabão ou álcool em gel, máscara, isolamento social. Eu espero que tenhamos uma vacina de tal maneira que possamos controlar mundialmente.

Por que existe uma doença que se transformou mundialmente em uma pandemia em três meses? Porque as viagens são mutio rápidas, são muitas viagens todos os dias, de pessoas indo para lá e para cá. Então, na verdade, o controle deverá ser global. Por isso estamos falando de fabricação na ordem de bilhão de doses.

MidiaNews - Existem pessoas que são naturalmente imunes?

Wilson Savino - Existem dados sugerindo que a Sars-Cov 1, aquele primeiro lá atrás, poderia favorecer uma imunidade para a Sars-Cov 2. Não esqueçamos que Sars-Cov 1, que provocou a epidemia de Sars - que ficou ali no Sudeste asiático e no Canadá - foi uma epidemia que contaminou 8 mil pessoas. Nesta epidemia de agora estamos caminhando para 20 milhões. É outra ordem de grandeza.

Agora, por que algumas pessoas são infectadas e não apresentam sintomas? Existem vários fatores, e desses fatores não existe um único responsável. Por exemplo, a pessoa bem nutrida, que não seja obesa, que não tenha hipertensão, que não tenha disfunção respiratória, que tenha um sistema imune funcionando bem... A parte do sistema imune funcionando bem é porque as pessoas idosas naturalmente têm aquilo que a gente chama um grau de imunodeficiência associada à idade. Então essa pessoa naturalmente, mesmo que não tenha os outros itens, ela tem idade e isto gera a imunodeficiência, tornando-a mais sensível.

Então, o funcionamento do sistema imune depende de determinadas características genéticas dos indivíduos. E existem alguns dados que sugerem que algumas características genéticas poderiam estar associadas à proteção. Mas, de novo: há um ou dois artigos sobre isso, não temos ainda uma noção populacional grande. E por que algumas pessoas que nunca tiveram contato com o Sars-Cov 1 ainda sim têm uma resposta imune que controla o vírus Sars-Cov 2 muito bem? De modo que ele não tenha a doença e, mesmo infectado, o sistema imune desenvolveu anticorpos, desenvolveu os linfócitos T, específicos que permeitem matar a célular infectada. Então, estamos muito mais na dúvida do que na certeza.

Resumindo, nós estamos ainda aprendendo sobre esta doença, muito mais do que qualquer outra coisa. De como a doença se instala, de como ela é acelerada, de como é retida. Se você me perguntar, eu vou dizer que no momento não temos uma terapia, um agente terapêutico, capaz de efetivamente controlar o virus. Nós não temos uma vacina e não temos um remédio. No momento, tudo que podemos fazer é aquilo que já citei no começo, é se manter com os mecanismos de prevenção individuais ativados,

MidiaNews - O Brasil tem a sexta maior população do mundo e já é o segundo em casos e mortes. Estamos melhor apenas que os  Estados Unidos. Onde foi que erramos? O povo não comprou a ideia do isolamento?

Wilson Savino – Depende. Vou usar Niterói como exemplo. Niterói foi organizado muito bem. Há vários municípios e alguns estados, onde houve poucos casos comparados com outros. Pelo menos no nível de municípios, houve um programa de controle e as pessoas se adaptaram a ele.

Eu vou usar sua pergunta para fazer um comentário que eu acho que é central no problema que você levantou com essa pergunta. Em todos os lugares onde tudo funcionou, e nos outros lugares que funcionou menos bem ou que funcionou, assim, pouco, teria sido muito pior se nós não tivessemos o Sistema Único de Saúde funcionando. O SUS é o grande responsavel por nós não termos mais de 200 mil mortos no momento.

Daí parte a questão de ter uma estrututa federal, estadual e municipal. E na ponta, que são os municípios, muitos conseguiram no seu âmbito, controlar de forma efetiva se comparado a municípios vizinhos. Usando de novo Niterói como exemplo, que é vizinho do Rio de Janeiro, mas não tem como comparar a situação dos dois. Então, funcionar melhor ou pior, dependeu muito e depende muito das políticas públicas implementadas no nível federal, estadual e municipal.

No Brasil nós tivemos um descompasso organizacional entre a esfera federeal e as esferas estadual e municpal. E é claro que isso não facilita o estabelecimento de politicas públicas nacionais. Então eu vejo que nós temos a oportunidade e o dever de rever isso de maneira que, mesmo que nós estejamos em um momento muito dificil da pandemia no Brasil, é preciso que a nação olhe para isso de uma maneira a querer efetivamente salvar a população, salvar vidas.

Outra questão é a desigualdade social, que tem no maior grau o Brasil. Você imagina fazer isolamento social em uma casa de quarto e sala onde vivem 5, 6 pessoas, onde se os responsáveis não saírem para trabalhar não tem comida em casa. Como você vai conter isso? Então essa desigualdade social no Brasil, sem dúvida alguma, contribuiu para agravidade da pandemia.

MidiaNews - Como um imunologista, como o senhor enxerga o movimento antivacina?

Wilson Savino - O movimento antivacina surgiu na Terra com a vacina de influenza. Depois disso, teve um artigo científico publicado em uma das revistas de medicinais mais importantes do Mundo, que se chama Lancet. Foi publicado nessa revista um artigo que dizia que havia uma associação entre vacinação e aparecimento de crianças autistas na Inglaterra. Esse artigo começou a gerar toda uma dúvida, se vacina fazia bem ou fazia mal, porque poderia causar outras doenças. E isso foi crescendo na Europa, hoje continua, depois foi crescendo nos EUA e chegou no Brasil.

Por que eu estou contando essa história? Porque 10 anos depois que o artigo foi publicado, houve uma série de contextualizações. Dez anos  depois os autores se retrataram dizendo que havia tido um engano nos dados. Cinco anos depois disso, confessaram que tinham feito uma fraude. Então o artigo da Lancet que gerou o movimento antivacina era uma fraude. Eu acho que isso é importante que a imprensa divulgue, para que as pessoas saibam que não tem nenhuma possibilidade de isso ser verdade. Uma das coisas que se faz muito é toda parte de toxidade, saber quais os efeitos da vacina em modelos de outros animais, nos humanos e etc.

Esse movimento antivacina surgiu baseado numa fraude. Ele não é baseado em nenhum dado científico. E você deve saber que quando se tem boas vacinas, as pessoas ficam imunizadas, você não tem mais a doença. E para as grandes indústrias farmacêuticas, manter a doença é bom, porque vai produzir mais remédios. Não vou nem me atrever a dizer que uma coisa está atrelada a outra, mas o que eu vou dizer, sim, é que o movimento antivacina surgiu de uma fraude.

 

Texto: Mídia News